sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Diário da noite no deserto. No céu, Apocalipse e chuva

Segue aí um texto feito há alguns meses atrás que encontrei entre papéis avulsos e, como sempre, defenestráveis.


Depois de um tempo sozinho no quarto suas unhas começam a enegrecer.
E nasce nas entranhas um desejo esfacelado, que vira na segunda à esquerda do seu peito, eleva-se contra a gravidade e divide-se numa bifurcação, vindo desaguar bem ali, na cavidade dos olhos.
Você é o meio de uma coisa, de um acontecimento.
Só que você não entende a cor da abóbada, e nem por que todos os anjos estão ao contrário, rezando contra o advento.
Para se certificar de que não é um sonho, você arranca um dos braços. Percebe logo que poesia seduz e assassina.
À revelia de sua junta médica, você vai ao encontro com Clarice Lispector. E chagando lá, nota que ela também não tem um dos membros. Ela fala alguma coisa sobre o preço do tomate e então começa a chover.
O dia acaba em cinco minutos, você volta pra casa e ao chegar encontra seu filho morto na banheira, uma boca da cor de Marcelo Mirisola.
Logo depois de jantar, arroz com fritas e cinema, você leva o corpo de seu filho ao supermercado e o troca por cinco garrafas de coca-cola. Suas unhas começam então a voltar ao normal.
Não obstante a paz alcançada, você recolhe um verso que acabou de brotar no asfalto da avenida. Naquela avenida trafegam apenas porcos e caminhões.
Perto de você, esperam também pelo sol, Hilda Hilst e Dalton Trevisan. Eles estão rindo. De você.
Você vai dizer e todos acreditarão que é delírio.
Mas no mesmo rosto, no seu rosto, disputa espaço com a mentira, uma expressão de dor pelo braço arrancado.
E nos olhos, ainda escorre um pouco daquele líquido traiçoeiro do desejo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Agonia psicografada de alguém ainda vivo

OLHA EU AQUI DE NOVO, NO BLOG. OLHA EU ALI DE NOVO, NO TEXTO...


E é assim que se admite a própria mediocridade, sorrindo no escuro, em frente aos dementes e/ou coléricos. Pedindo, se admite a mediocridade.
Entre os versos esparsos e as drogas pacificadoras, escondido dos familiares que se dividem entre o assombro, pena e desprezo, está você, dentro do quarto, fora do mundo, sorrindo, no escuro.
Estoicamente, você espera pela mão salvadora que te arrancaria do deserto e te levaria até onde houvesse o que matasse a tua sede.
Devassado por si mesmo e odiado por si mesmo, você não reluta mais e pensa em alternativas moral e religiosamente censuráveis: práticas autocondenatórias, suicídios nada originais e fugas impraticáveis. (Você é medíocre afinal).
Descobre um substantivo novo. Abraça forte o animal de estimação falecido. Descobre flores sob a cama. É seduzido pelo lamento cálido de um inseto.
Reduzido, você se mastiga e se cospe. E no chão do quarto, no escuro, você ainda tem a sensação abominável dos seus dentes em sorriso.
Quase louco. Quase morto. Quase pronto para se despir. Você inventa uma coisa para, hermeticamente, gritar aos outros, aqui no blog, que você quer VIVER. Urgentemente.
Me ajudem.

domingo, 22 de novembro de 2009

Novo masoquismo. Novo não, óbvio. Pleonástico.

O improvável não se cansa de me exigir o passo e toda vez que eu me meto com um poema ele sai assim, escapista.
Mesmo sabendo que eu não vou pra longe, que na verdade eu estarei sempre longe de qualquer lugar em que deseje estar (por burrice ou autopreservação), lanço aqui, para ninguém ou quase ninguém, e como sempre com medo e desejo misturados numa coisa sem nome apropriado, um poemazinho forjado agora a pouco.
Vai, como sempre deixo ir, com aquele espectro de coisa nova e inacabada. É que tal qual a mim, os versos são pobres e não merecem maiores atenções.
Um abraço a quem não vai me ler.

MEIO DIA, PLATAFORMA 7

NA BOCA AMALDIÇOADA, PROVÉRBIOS
NOS OLHOS SAGRADOS, MISTÉRIOS
NAS MÃOS ENCANTADAS, O MEDO
NOS PÉS DE IR EMBORA: DESEJO

O PÁSSARO POBRE REDESENHA DEVANEIOS
ENQUANTO EXERCITA AS ASAS INVENTADAS
E COMO POESIA SEM MÉTRICA OU RIMA
FAZ CABER EM SI COISAS QUE NÃO CABEM:
HERÓIS DO CAMINHO, GUARDIÕES DO PORTAL,
AMORES IMPOSSÍVEIS, PÔRES DO SOL, DUAS MIL ETECETERAS
ALÉM DO ENCONTRO IMPROVÁVEL CONSIGO MESMO

ANTES E DURANTE, ENQUANTO ANDA, ENQUANTO AGONIZA, O SIM
DEPOIS E SEMPRE, SEM PROTEÇÃO, SEM DIREITOS, SEM RESGUARDO
ABANDONANDO, EU, INFIEL ABANDONADO
DEIXO AQUELA RUA SEM NOME, SEM MIM
DEIXA DE EXISTIR MEU PASSADO

É QUASE MEIO DIA.
APERTO O PASSO,
ESPANDO AS ASAS.
UMA COISA DENTRO AVISA, COMO UM RELÓGIO.
“O MUNDO É AGORA,
O MUNDO É ASSIM:”

HOJE, SEM FALTA, VOU EMBORA
(DE MIM)

sábado, 24 de outubro de 2009

De profundis

Transita livremente dentro de mim, pedaços de outras pessoas.
Versos, quinquilharias, álbuns de recordação, sexos.
Dias seguintes e que nunca chegarão.
Tudo que tenho são dos outros.
Dos que não me abraçam mais, ou porque já morreram,
Ou porque foram embora.
Há ainda os que nunca existiram, desses tenho uma especial saudade.
Volta e meia, tento expelir alguns desses pedaços.
É quando finjo/forjo um poema.
E agonizo por alguns dias.
Morto ou não, apareço aqui neste blog,
Dizendo adeus ou olá, para essas poucas pessoas,
ganhando novos pedaços de mim.
Eu sou um monte de pessoas que nunca existiram.

Prometo que logo volto a publicar qualquer coisa sem sentido.
É que tenho sido transfigurado por uma paz comprada em farmácia, e tenho andado surdo de mim.
Abraços àqueles que existem e passam por aqui.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O "NÃO"

Esparso e espasmódico, volto combalido e pergunto a vocês:
O que traduz a vida? Um instante ou a soma deles?
Existe um sim incondicional?
E quem é responsável pelo sim? Sou eu?

Fiz 25 anos hoje. É um quarto de século. É o suficiente para muitas guerras e elas estão todas aqui, acumuladas. Por isso digo que estou combalido. Acreditem em mim.
... 25 anos. Parece muito. E seria.
Mas antes de mim, me antecedendo, o medo. E ele me cobra a fatura.
Por isso meu passo é meio passo. E minha vontade parece vontade nenhuma.
Mas é mentira, No final das contas, é só mentira. Não acreditem em mim, amigos!

Carrego o mundo e ele me pesa.
Às vezes mais, às vezes menos.
E eu, às vezes, Nunca.

Fiz o poema agora. É por isso que ele cheira a tristeza. Perdoem-me.



"O NÃO"

A pequena avidez
nos olhos,
calma.
Nasce nos dedos e,
vida curta, precoce,
morre nos olhos.

A pequena avidez,
de ser jovem
ao meio dia
no fim do mundo.
E sem nenhum lugar pra ir.

A pequena avidez,
de amanhã ser tarde,
de ser dezembro,
de ser promessa.

A pequena avidez
inteligente e sábia
e infantil.
Querendo saber
De onde virá
O NÃO.

Hoje acaba o mundo
E eu não tenho nada.
Nem filhos nem poesia
E nem um abraço na cama
(A cama é fria)
E nenhum barulho na sala
ou na cozinha.
Ou dentro de mim.

Dentro de mim, só a pequena avidez
E ela é muda.
É de mim que vem O "NÃO".

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Conto de fadas para as crianças que insistem em brincar perto do abismo

Transido pelo terror da vontade que recrudesce - aquela chuva no deserto voltou forte - resolvi postar este microconto, escrito há alguns meses, por que me pareceu fortemente emblemático.
Enxerguei nele o contraponto de minha mais recente e mirabolante decisão, na verdade uma decisão antiga, que se "monstrificou" pela força dos últimos acontecimentos. Reverbera o desejo e quando bate forte em mim, vira loucura. vira fuga. Vou seguir viagem.
Saibam todos que continuarei na minha ilha, mas logo parto para outra: Floripa.


LONGE DO CHÃO

Não demorou quase nada. Um vôo curto rumo ao chão.
Agonizou por exatos três minutos e vinte segundos, tempo que seus olhos usaram para admirar os vizinhos nas janelas. O mundo era maior e até mesmo bonito visto daquele ângulo. Dezenove andares de mundo: torre de babel: precipício arquitetônico.
Ninguém chegou antes do cachorro, que lambeu o sangue do rosto dele. Uma coisa quente sobre o rosto. Foi uma lágrima.
O homem chorou? Ou foi o cachorro? Ou teria sido uma primeira gota de chuva?
Ele já estava morto. Antes de pular, segundo ele, já estava quase completamente morto.
Era uma teoria sua: dentro das pessoas, umas partes morrem antes. A morte é uma coisa que vai ficando pronta aos poucos. A morte não é um vôo curto rumo ao chão. A morte demora muito. De modo que, antes de se atirar prédio abaixo, o homem já estava morto.
Logo depois que o corpo foi levado, começou a chover. Os vizinhos chocados voltaram a ver televisão e o cachorro atravessou tranquilamente a rua, se enfiando num beco. O sangue foi lavado da calçada. A chuva levou.
Aquela chuva, anunciada por dias e que não vinha. depois que ele morreu, caiu forte e depressa. E encantou o resto da terça-feira.
A chuva roubou o resto da noite densa e abafada.
Momentos antes o homem desejou muito que chovesse. Ali, na janela, no alto do edifício, de braços abertos, o homem desejou o rosto açoitado por gotas bravias da mais torrencial das chuvas. Do alto do prédio, a cidade toda dele. Quem o visse, reinando altivo daquele jeito, naquela epifania solitária, certamente o amaria.
Três semanas depois, uma mulher se mudou para o apartamento em que o homem morava. Ela descobriu um poema escrito na parede da cozinha, no lugar em costumava ficar a geladeira. E o poema dizia coisas bonitas e tristes. Sobre um velho, uma árvore no meio da sala e muitos pássaros.

domingo, 2 de agosto de 2009

Poema enigmático/revelador

Segue abaixo um prosema feito no impulso, que foi se revelando à medida em que as palavras caiam no papel. Por isso mesmo enigmático. Por isso mesmo revelador.


CITALOPRAM, 20 mg

Tem um sol dentro do meu quarto
E um barulho de riacho perto da cama
E um vento que vem das direções todas

Tem pássaros,
E os seus gorjeios foram inventados agora,
Nova sinfonia para a tarde aberta

Minhas mãos devaneiam pelo ar,
cortando a brisa,
cortando o inefável.
Os meus olhos seguem o som que há dentro do som.
O som que existe dentro do sol.
O sol dentro do meu quarto.

Estou em paz
Morto em paz.
Nova tragédia para a tarde aberta.

O encantamento me arremata,
despedaça meu resto de corpo
e o meu resto de alma.

Indolentemente me sacrifico neste refúgio
que eu inventei
que eu encontrei
dentro de um livro

dentro de uma saudade.

sábado, 1 de agosto de 2009

EMERSÃO

Não sei se foi Clarice (consegui ler de novo) ou Jú (um comentário no Éden perdido), mas tive de volta aquela sensação que perdera há muito. De que há algo dentro de mim que precisa se manifestar. A vontade recrudesceu e eu me vejo agora, no meio dessas palavras, escrevendo novamente, com tudo de bom e de horrível que o ato de escrever me oferece.

E preciso falar aos amigos, aos que já sabiam e aos que saberão agora, e falar aos desconhecidos, e às coisas que já morreram e nos alimentam, e aos deuses impossíveis, e falar aos que jamais ouvirão, que eu imagino, eu espero, estar perto da cura. Estou melhor, vendo as coisas mais claramente e me assustando bem menos com elas. Estou vivo e vivendo. Estou vivo e aprendendo a viver.
Estou aprendendo a dizer que amo as pessoas.
Eu te amo, Valéria, Geisa, Juliana, Danilo, Martirene, Geovana, Rose, Paulinha, Sara, Ivanildo, todo mundo do Vieira e do Trapiche. Sem medo de ser piegas, eu amo.

Estou tornando as coisas simples. Ser medíocre e me conformar com o fato de que as coisas que eu quero jamais serão minhas me fizeram uma pessoa melhor.
É isso: ser uma pessoa melhor é ser uma pessoa menor.
É isso: estou diminuindo e, ainda assim, não caibo em mim.
É uma forma de felicidade. É a forma de felicidade que me cabe. Estou feliz com minha felicidade.
E com saudade de estar perto de muita gente.
E com vontade de virar o azul do céu e a cor que eu não sei qual é, que corre na água do rio.
E por falar em rio, aproveito para terminar falando que emergi. Estou de volta. E consigo respirar.

R.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Dama. Da noite

Fiz agora: uma declaração entre parênteses (recurso literário subvertido à guisa de hermetizar)
Talvez muito tarde, como muita coisa.
Mas fiz antes de ser tarde demais, quando não será possível fazer mais nada.
Fiz para Jú. E quem quizer entender, ou terá que ver o blog dela, ou perguntar pra ela.
Porque, de minha parte, cheguei ao silêncio. Não falarei mais.
(O silêncio, para quem não sabe, é o estágio limiar entre o cansaço total da vida e a transcendência total da vida!)
Feliz aniversário Jú.
Essa coisa que vai aí embaixo - não sei o quê, nem de onde - é um abraço que não sei.
Listen:

Dama. Da noite

A flor gosta de Física, ela diz de si.
E desabrochou no quintal da mãe, dois dias depois de reflorescer fora dele.
(Onde é mais difícil ser flor)
A flor é encantada.
E a ela são atribuidos certos milagres, tais como:
Manter vivo um amigo.
Ela é uma flor branca
(da cor dos arrependimentos)
(E o amigo sobrevivente ri da ironia, sozinho, só ele entende. Ri e sobrevive)
(Ele, que jamais será flor)
(Pede desculpas e sai de cena novamente)
(Para morrer, de um jeito ou de dois)
(Perdoado (espera-se) por esquecer)
(E condenado por sucumbir, mesmo tendo contado, na vida, com pessoas que, de noite, no escuro, floresceram para ele. Existiram.) (E despertaram amor)

Jú, feliz aniversário.
Antes do fim, ou do ponto seguimento: Love you sweet!

Ps: ...

domingo, 15 de março de 2009

Closed eyes

É tarde demais para muita coisa, eu sei. Eu descobri há muito.
Tarde demais, mesmo para conseguir ficar longe daqui: Casa de se esconder. Escuro de se acender.
E perto demais do chão. Perto demais dos pequenos monstros que desbravam o chão - imundo chão, impuro chão - do lugar em que vivo (sobrevivo).
Eu, também inseto kafkiano, on the floor.
Quase chorando.
Quase desistindo.
Esperando a noite passar,
o ano passar,
Esperando a vida passar com o mínimo de dor possível.
Missão: atravessar incólume e de olhos fechados o labirinto.
...
Mas se vocês estiverem aí, por favor, me toquem.
Não me deixem só. Por mais que eu queira ou precise.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Arrependimentos brancos



Tenho pensado em flores, vivas e mortas.

E tenho pensado no caminho do sangue,

no meu corpo,

fora dele,

vivos e mortos, meu sangue e eu.

Tenho chorado pouco, sinal de que algo vai mal.

Alguma coisa está se acumulando e esperando a erupção: tragédia para quarta-feira de cinzas!

Essa semana e até lá, fico pensando: nas flores!

Flores sobre mim,

no meu enterro.

Daqui a pouco.

Daqui cem anos.

Quero flores brancas!

Da cor dos meus arrependimentos.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Um poema para a carência

Sabeis amigos, é importante: não é sempre que quero estar só.
Hoje, por exemplo, por uma tarde melancólica e densa de carência de não-sei-o-quê, veio, relâmpago, um poema (por falta de nome que o classifique) que traduz essa confissão.
Este vosso amigo está só e estará sempre, mas por momentos alguns, relâmpagos, desejaria entre os braços alguém que não existe e que ele não quer (ou não pode) conhecer.
O poema vai como veio, com as imperfeições dos arroubos, dos impulsos, e com a verdade (palavra temerária) de quem não corrige o texto para não correr o risco de dizer o que não sente. Ou para não correr o risco de sentir de novo o que escreveu.

Poema da carência (que passará)

Depois que o sol secar meu rosto,
Seu rosto,
Do mar que não tocamos,
Você, que não existe,
Eu que não quero existir,
Estaremos enfim, novamente
Resignados e sem medo de continuar.
Inconscientes um do outro,
Mas esperando...
A palavra.
O encontro.
A vontade de existir.
Eu em você.
Você em mim.

Antes de o mar molhar meu rosto,
Seu rosto,
Sem a garantia do sol protetor,
Você, que não me conhece,
Eu que não quero te conhecer
(porque sou estranho Adão)
Estaremos assim, plenamente,
Inconscientes um do outro,

Eufóricos e esperançosos.
Mas apenas
Esperando.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Passando aqui para me autopromover

Estranho Adão, vagante e divagante volta do paraíso para este blog.
Vem se autopromover. Olha só você que não me lê: visite o historiaspossiveis.wordpress.com .
É uma revista literária eletrônica que tem como editor o André de Leones, escritor vencedor do prêmio Sesc de Literatura de 2005 e que curtiu um conto meu !!! e o publicou!!!
Acreditem se quiser, agora sou mais que um falso escritor não publicado e não lido, sou um falso escritor PUBLICADO e não lido!
Quem quiser conhecer a história passe por lá e deixe um comentário (lá e aqui e onde mais quiser).
Um escritor é uma espécie inferior de mendigo, por isso o apelo.
Ah, depois venho aqui pra falar sobre a viagem a Ibotirama e minha nova pedra.
Saudades de mim aqui.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Coisas que eu sou, mesmo não entendendo.

Eu queria deixar as coisas encantadas me tocarem, me dizer mentiras e me fazer sofrer.
Mas sou frágil.
Talvez por isso o meu apreço por pedras.
As pedras - coisas em princípio inabáláveis- são o meu desejo de existência.
Queria ser uma pedra em que as palavras e as vontades não penetrassem.
Mas tudo reverbera em mim com uma força arrebatadora, que me deixa pesado (me deixa deserto) por dias. Imagine só se eu fosse mais de um!
Se resignado à solidão cada coisa ínfima é capaz de me lançar noite adentro, imagina só se me tivesse alguém do lado!
Minha estranheza de Adão não é uma coisa egoísta, muito ao contrário. É pela paz de alguém que eu atravesso sozinho essa sala.
Perdão a esse alguém que, eventualmente e sem nehuma explicação lógica, fosse capaz de me abraçar à noite, e dormir comigo, mesmo sabendo que eu só devolveria silêncio e quem sabe até um pouco de ódio.
Tenho presa dentro de mim uma capacidade imensa de amar. É porque ela é muito grande que eu me assusto tanto.
Mas quero que saibam que eu poderia ser infinito, se não fosse o meu primeiro passo direto para o abismo.
É para não morrer que não amo.
É para não magoar que não amo.
É para não amar que escrevo.
Vou seguir até onde der. Sem paz. Sem nada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Hoje: Alguma coisa para morrer



Um ensaio de um novo conto ou de uma vontade.
Duas tentativas esperando a assunção de seu dono (eu).
Ponto final ou Ponto de Partida?

É bom estar de volta.
É horrível estar de volta.
Para fugir da tragédia, meu novo texto: pequeno e medíocre. Eu sei.




Ponto final. Ponto de Partida


O gosto da água no vidro. A janela. Do ônibus.
As luzes da cidade, confusas luzes, desfocadas luzes. As luzes que ficavam. Luzes que não seriam mais.
Luzes e chuva de ir embora. A vontade de ir embora. Embora a despedida, enquanto signo, enquanto rito, não tivesse acontecido.
Porque chovia ele se aproximou da janela. Tentar enxergar do outro lado.
Nada. Ninguém.
Então ele provou da água e viu, como Deus, que aquilo era bom e não existia antes dele.
Ele era jovem e viveria depois. E muito. E com suas vontades todas.
O medo se dissolveu na boca. Não era uma viagem. Era uma fuga. Por isso nada, ninguém.
Não avisou a mãe, a irmã, o amigo.
O carro cortou a cidade embaciada. E depois, mergulhados no escuro – O carro, o rapaz – seguiram longe. Ambos, coisas cheias de silêncio. Olhando a estrada.
Uma coisa com um gosto novo na boca. Esperava. E ia embora.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sétimo círculo do inferno, 2° recinto

Os suicidas se transformarão em árvores.
Quanto tempo resistirei a meu antibucolismo?
Meu maldito hábito de transigir à covardia,- fico esperando um sinal para o não e o mundo dizendo "vai, brother, pode pular".
A frágil linha - pela qual atravesso o precipício - hoje, por motivos vários, ameaça o rompimento.
Esse mal é coisa de criança que mantém os olhos abertos, sujeitos às surpresas ( ficar adulto, é pra mim, nada mais do que fechar os olhos ).
Fui tentar ajudar uma criança a fechar os olhos e acabei abrindo os meus (ensaio sobre a visão).
Fiquei denso e triste. Meio com medo.
Esvaziar aqui foi pra substituir as outras alternativas.
Desculpem os amigos, e não se preocupem. Nada vai acontecer, deve ser porque deixei de assistir televisão.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Fruto verde e proibido

Vai aí uma coisa de agora à noite, incompleta, como tudo. Não tem sequer um título.
O texto termina com vontade de continuar. E deve acontecer. Depois eu digo se.


Noites geralmente são terríveis, mas não esta. Tem uma tranqüilidade fina derramada, um vento perdido nas cortinas, a luz distante aquecendo tudo. Tudo.
Olhei há pouco meus olhos no espelho. Quase sorri. Quando era mais jovem era capaz de ficar horas em frente ao espelho admirando o fundo do meu olho, o jeito que meu olho tinha de me olhar. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de olhar ela própria.
Sei que devia estar dormindo, mas não conseguiria. Não nesta noite. Uma sensação estranha, como a da infância antes do beijo avassalador me cobre de expectativa. Esperar o que? Esperar o que e com calma. Esperar o que o meu olho me diz sobre mim? Esperar por quem?
Vi no espelho um homem que chorou. Apenas isso, objetivamente; sem motivo, um homem chorou. As bordas dos olhos avermelhadas, uma coisa que arde e que foge: meus olhos ardem e fogem para o escuro. Tateio. Fecho os olhos queimados e perambulo cego pelo apartamento. Esbarro no guarda-louças – que tipo de homem tem um guarda-louças, me pergunto – derrubo um vaso, corto meu pé, caio no sofá e ainda deliberadamente cego, me vejo dançando na sala. Tateio, tateio, tateio e não encontro nada. Meu sangue mancha a sala, na minha cabeça vem de repente um poema.
Respiro fundo e uma sensação de preenchimento total me invade, estou vivo e morrendo. Fico parado pensando naquele antagonismo de processos, tão evidentes desde sempre e que me assaltaram de surpresa. Estou vivo, mas é como se no meu pé, por uma abertura minúscula todo o meu sangue estivesse indo embora de mim. E quando eu fosse embora de mim, em sangue e no que mais eu pudesse expelir, o que restaria? Eu, morto? Ainda seria eu o corpo sem sangue na sala? Afinal de contas o que era eu? Apenas meu sangue dentro de mim?
A dúvida ou a descoberta me faz abrir os olhos, me obriga provar de mim. Experimento um pouco de meu sangue. Descubro que tenho um gosto de ferro. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de provar dela própria.
Fora para isso que não dormira? Que aviso era aquele que havia me dado inconscientemente? “ Olha só, você está vivo, mas está morrendo, por isso trate de sentir o gosto das coisas!”
O vento chega da janela aberta, me aproximo. As ruas estão cheias de vestígios da chuva. Nos últimos dias choveu tanto quanto o que se esperaria para o ano todo, e, por causa dos pequenos dilúvios, não fui trabalhar, inventei uma viagem de emergência pra curtir de casa, da minha janela, dos vidros que me protegiam, a chuva acontecendo. Chover é um fato poético.
Uma coisa que vi na infância e de que nunca me esqueci, a coisa mais bonita que eu já vi: Eu tinha oito anos e vi, a porta aberta, a água invadindo a casa. Eu estava só, cheguei mais perto da porta, molhei meus pés e depois meu corpo inteiro na chuva. Andei, passo depois de passo, sem obstáculos. Olhei para a frente, para os lados, para cima e tudo que eu via era um cinza uniforme e singular. Girei meu pescoço, tentei apurar a vista, procurar a casa, mas ela não estava mais lá. Era apenas eu, que não me via, e que portanto não existia. Existia apenas o cinza, que a partir daquela tarde passou a ser para mim a cor associada ao nada em que eu podia me transformar. No cinza da chuva eu simplesmente não existia naquela forma convencional de criança. Era o mesmo cinza que eu via no fundo de meu olho no espelho.
Na chuva eu desaparecia.
O sangue na minha boca tinha a cor viva do sangue. O vermelho e aquela noite me exigiam um outra coisa que eu não adivinhava. Apenas que aquela não era uma noite para chover. Era uma noite para sol.

domingo, 4 de janeiro de 2009

VOZ DE EVA

O "Voz de Eva" chega atrasado, mas chega se fazendo ouvir e importante. E especial.
A dissonância dessa vez é de alguém que vive me ensinando as coisas: Geisa Sabine.
Senhoras e senhores, ela não precisa de papel ou nada para a poesia. Talvez por isso seus escritos sejam tão pessoais. O poema a seguir vai meio contra a vontade dela, eu acho. Vai na contramão de seu medo (ela às vezes não quer ser ouvida).
Vai sem título (ela desejou uma coisa sem nome?), mas eu gostaria de que "eventuais leitores" sugerissem um.
Começando a brincadeira e encantado com uma cena do "prosema", eu pensei em " Poodle por fora. Mulher por dentro".
Torço que ela saiba o que eu quis dizer.

And so it is




Eu passei a caminhar numa direção que não a sua.
Não queria estas páginas borradas, mas os meus olhos insistem em chover.
Enquanto os meus pés seguem o norte, o calor, os seus seguem a direção contrária, o frio.
Como pudemos ser tão tolos e nos deixarmos enganar por uma cortina?
Toda a verdade estava atrás, por isto, hoje agradeço ao poodle brincalhão.
Nossos sorrisos, nosso humor, nossa alegria, tudo se embotou quando a cortina caiu.
Não dissemos mais coisa alguma, não nos olhamos.
É triste quando termina uma farsa, nós devíamos ter descoberto antes do acaso, este grande bisbilhoteiro.
Não encaro o acaso até hoje, mas eu só choro quando não sinto vontade, pois quando sinto ela vai embora, a vontade.
Eu perguntava à pedra se o calor não estava em demasia, ela seguia me respondendo que o frio contrai os músculos e torna as pessoas tensas e igualmente frias.
Senti tanta raiva que quase chutei a pedra, mas não foi pelo que ela disse, eu apenas não via mais o que estava atrás de mim.
Descobri por mim mesma que um dia o passado fica embaçado, e que muitas lembranças perdem o sentido e suplicam pelo esquecimento. Eu não esqueci o meu passado, só não o via mais em minhas costas.


(Geisa Sabine, poeta)

1° livro à mão, Pg 69, linha 26: Primeira frase inteira

Estava escrito:

" Cada indivíduo isolado vive sujeito a considerar esse caos como uma unidade e fala de seu eu como se fora um ente simples, bem formado, claramente definido "

Nada poderia me transgredir melhor como o que trouxe o acaso. Subverter o que eu achava e me ler, assim tão claro, tão paterno. A frase, eu jurava que não era eu a frase, mas agora eu estou lá. Não estou mais aqui.
Fui embora para o meio de um livro por culpa de Juliana (thanks for that!!!)

PS: Pequena vingança irresistível: Não vou citar livro nem autor. Uma maçã envenenada para quem descobrir!

sábado, 3 de janeiro de 2009

BAR DO VIEIRA, HOJE À TARDE

Ele ignorou o celular que insistia. Preferiu continuar extasiado com o homem que improvisava uma cuíca com a boca. No bar, umas onze pessoas.

Já tinha parado de chover, mas continuavam todos ali, platéia de si mesmos. Até quem apenas ouvia, como ele, o que ignorava as chamadas telefônicas, compunha o ambiente cênico de uma tarde mágica.

Iraci, a dançarina performática, Iraci, a dançarina poética: desbravou um pequi, mendigou a cerveja dos alheios, girou no salão apertado encontrando olhos admirados, gargalhou como uma boneca, deu uma volta na praça e depois foi embora, descalça, carregando sua graça bailarina.

Tinha João de Germano, que derrubou o resto de dia com a voz, e a quem atribuíram o poder de ter feito chover naquela tarde. Cantava as músicas sem se preocupar com as arrebatações que provocava. Fazia amor com as mulheres de Noel Rosa, Cartola, Martinho da Vila, Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves e outros cavaleiros da boemia. Era o maior cantor desconhecido de todos os tempos, um mito escondido, compartilhado por aqueles poucos do cais.

Entre os estranhos, o rapaz que não atendia o telefone viu também a professora de pouco tempo atrás, Carminha devia ser o nome. Ela não o reconheceu de volta, embora cantasse olhando e rindo demais pra ele.

Havia as pessoas caladas, as pessoas “olhos e ouvidos”, que batiam palmas, bebiam suas cervejas, ruminavam seus elogios, e transpiravam sua emoção. Aquelas pessoas poderiam, facilmente, se transformarem em novos versos.

O dono do violão, dono do bar, dono provisório das pessoas dali, Vieira, (re)criador do Jardim do Éden, poeta só de olhar, finalizava com seu dedilhar a trupe enfeitiçada que ficou ali por horas, hoje à tarde e pela memória a fora.

E o rapaz do telefone jura que esteve lá, mesmo não cabendo no elenco. Pode provar porque fez um vídeo e depois esse cronema (crônica-poema). Porque saiu do bar e foi embora sem agradecer ou se despedir, embora houvesse desejado fortemente os abraços dos estranhos especiais. Ele pede desculpas, mas gosta de ser essa coisa muda, de quem não sabem. Mais do que isso, precisava continuar a ser um fantasma.

O fantasma jura que esteve lá. Quem quiser conferir pode ir até lá um sábado desses e torcer para que o delírio aconteça. O bar do Vieira fica no Mercado Cultural Caparrosa, ao lado da Bodega do Edézio, perto do cais de Barreiras, dentro desse mundo mesmo.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ao sabor do vinho e das confissões...

Começei hoje minha coleção de pedras.
Talvez pela sensação das coisas concretas.
De coisas sem vazio dentro de si.
Pela vontade de possuir contornos diferentes.
As primeiras são três e vieram de um rio que passou hoje à tarde.
E posso dizer que tive uma tarde/noite Mastroianni (agradecendo ao JP Cuenca o termo para o indefinível!).
Não foi bem felicidade o que senti. Felicidade é uma coisa mais rara e pesada do que minhas pedras. Foi um curso intensivo de liberdade.
Me acompanhavam nessa tarde outras três pedras - Danilo, Sara e Geisa - que cuidaram de me ensinar, entre outras coisas (polêmicas e/ou impublicáveis) que:
- Emoção é emoção. Razão é apenas falta de emoção. (Esta vai para a série de coisas que eu não acho, mas são!)
De modo que eu cheguei em casa suado, cheio de areia, levemente embriagado e sem nenhum sono. Liguei, autômato, imediatamente, a caixa mágica onde todos guardam tudo (onde guardo minha estranheza de Adão) e fiquei por minutos calado, os olhos vagos. Até que nesta minha boca nasceram as bactérias, as flores, as poesias (essas frases que não me entendem).
Eu, cuja maior coisa que fizera antes do reveillon tinha sido lavar a louça de dias, descobri, encantadora e repentinamente, meu imenso apreço por pedras:
pedras-fatos
pedras-objeto
pedras de lugares onde estive
e, principalmente, pedras-pessoas.