sexta-feira, 12 de março de 2010

NAO,./?

É sempre assim. fujo, tento me controlar, juro que vou ficar longe, porque é preciso, porque é uma questão de sanidade. Daí, cuido de me trair. Vou na prateleira ou vou na Vicente Miguel ou visito um chipanzé. E pronto. Aconteço aqui de novo. Pra morrer setenta vezes durante o resto da semana.
Segue o poema (qualquer dia invento um neologismo pra diminuir o peso da palavra).


NAO,./?

Não, eu não quero a paz.
Não quero o horário definido pro jantar. Não quero a janta pronta. Não quero jantar.
Não quero conhecer a rua. Nem as pessoas da rua.
Não quero dormir às 22 e acordar às 7.
Não quero água quente, elevador, prateleiras para os livros.
Roupa lavada, passada, engomada e guardada. Definitivamente, isso não quero.

Não quero a reforma da casa, o conforto.
Não quero os sapatos lustrados.
Não quero o lustre entre nós.
Não quero “nós”.


Esse cheiro de coisa guardada,
Essa coisa velada,
Esse silêncio,
Eu não quero.




Eu não quero a aprovação.
Eu não quero o sim.
Eu não quero o não.
Eu só quero ir.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Futuro ontem

Segue aí uma coisa feita numa noite dessas, só pra não esquecer que dentro de mim mora ainda um menino que vê e vive.


TEMPO DOCE. LEVE. QUE GASTO TODO DENTRO DE MIM. TARDE TÉPIDA. OCUPADA EM RECORDAÇÕES: futuro ontem.

TEMPO QUE VATICINA UM AMOR, UM APOCALIPSE, UM POEMA.

TEMPO MUDO. TEMPO DO MUNDO.

ABRAÇO O TEMPO E DEIXO O RESTO ACONTECER.

SOBRE MINHA PELE O TOQUE VERTIGINOSO DESSE DEUS MENOR, QUE ME FAZ, CADA VEZ MAIS, ME PARECER COMIGO.

MEU TEMPO É MEU AMIGO E ME CONVIDA À EXISTÊNCIA.
A EXISTÊNCIA QUE TEM ESSE GOSTO DOCE. DE UMA TARDE DEBAIXO DE UMA MANGUEIRA

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Diário da noite no deserto. No céu, Apocalipse e chuva

Segue aí um texto feito há alguns meses atrás que encontrei entre papéis avulsos e, como sempre, defenestráveis.


Depois de um tempo sozinho no quarto suas unhas começam a enegrecer.
E nasce nas entranhas um desejo esfacelado, que vira na segunda à esquerda do seu peito, eleva-se contra a gravidade e divide-se numa bifurcação, vindo desaguar bem ali, na cavidade dos olhos.
Você é o meio de uma coisa, de um acontecimento.
Só que você não entende a cor da abóbada, e nem por que todos os anjos estão ao contrário, rezando contra o advento.
Para se certificar de que não é um sonho, você arranca um dos braços. Percebe logo que poesia seduz e assassina.
À revelia de sua junta médica, você vai ao encontro com Clarice Lispector. E chagando lá, nota que ela também não tem um dos membros. Ela fala alguma coisa sobre o preço do tomate e então começa a chover.
O dia acaba em cinco minutos, você volta pra casa e ao chegar encontra seu filho morto na banheira, uma boca da cor de Marcelo Mirisola.
Logo depois de jantar, arroz com fritas e cinema, você leva o corpo de seu filho ao supermercado e o troca por cinco garrafas de coca-cola. Suas unhas começam então a voltar ao normal.
Não obstante a paz alcançada, você recolhe um verso que acabou de brotar no asfalto da avenida. Naquela avenida trafegam apenas porcos e caminhões.
Perto de você, esperam também pelo sol, Hilda Hilst e Dalton Trevisan. Eles estão rindo. De você.
Você vai dizer e todos acreditarão que é delírio.
Mas no mesmo rosto, no seu rosto, disputa espaço com a mentira, uma expressão de dor pelo braço arrancado.
E nos olhos, ainda escorre um pouco daquele líquido traiçoeiro do desejo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Agonia psicografada de alguém ainda vivo

OLHA EU AQUI DE NOVO, NO BLOG. OLHA EU ALI DE NOVO, NO TEXTO...


E é assim que se admite a própria mediocridade, sorrindo no escuro, em frente aos dementes e/ou coléricos. Pedindo, se admite a mediocridade.
Entre os versos esparsos e as drogas pacificadoras, escondido dos familiares que se dividem entre o assombro, pena e desprezo, está você, dentro do quarto, fora do mundo, sorrindo, no escuro.
Estoicamente, você espera pela mão salvadora que te arrancaria do deserto e te levaria até onde houvesse o que matasse a tua sede.
Devassado por si mesmo e odiado por si mesmo, você não reluta mais e pensa em alternativas moral e religiosamente censuráveis: práticas autocondenatórias, suicídios nada originais e fugas impraticáveis. (Você é medíocre afinal).
Descobre um substantivo novo. Abraça forte o animal de estimação falecido. Descobre flores sob a cama. É seduzido pelo lamento cálido de um inseto.
Reduzido, você se mastiga e se cospe. E no chão do quarto, no escuro, você ainda tem a sensação abominável dos seus dentes em sorriso.
Quase louco. Quase morto. Quase pronto para se despir. Você inventa uma coisa para, hermeticamente, gritar aos outros, aqui no blog, que você quer VIVER. Urgentemente.
Me ajudem.

domingo, 22 de novembro de 2009

Novo masoquismo. Novo não, óbvio. Pleonástico.

O improvável não se cansa de me exigir o passo e toda vez que eu me meto com um poema ele sai assim, escapista.
Mesmo sabendo que eu não vou pra longe, que na verdade eu estarei sempre longe de qualquer lugar em que deseje estar (por burrice ou autopreservação), lanço aqui, para ninguém ou quase ninguém, e como sempre com medo e desejo misturados numa coisa sem nome apropriado, um poemazinho forjado agora a pouco.
Vai, como sempre deixo ir, com aquele espectro de coisa nova e inacabada. É que tal qual a mim, os versos são pobres e não merecem maiores atenções.
Um abraço a quem não vai me ler.

MEIO DIA, PLATAFORMA 7

NA BOCA AMALDIÇOADA, PROVÉRBIOS
NOS OLHOS SAGRADOS, MISTÉRIOS
NAS MÃOS ENCANTADAS, O MEDO
NOS PÉS DE IR EMBORA: DESEJO

O PÁSSARO POBRE REDESENHA DEVANEIOS
ENQUANTO EXERCITA AS ASAS INVENTADAS
E COMO POESIA SEM MÉTRICA OU RIMA
FAZ CABER EM SI COISAS QUE NÃO CABEM:
HERÓIS DO CAMINHO, GUARDIÕES DO PORTAL,
AMORES IMPOSSÍVEIS, PÔRES DO SOL, DUAS MIL ETECETERAS
ALÉM DO ENCONTRO IMPROVÁVEL CONSIGO MESMO

ANTES E DURANTE, ENQUANTO ANDA, ENQUANTO AGONIZA, O SIM
DEPOIS E SEMPRE, SEM PROTEÇÃO, SEM DIREITOS, SEM RESGUARDO
ABANDONANDO, EU, INFIEL ABANDONADO
DEIXO AQUELA RUA SEM NOME, SEM MIM
DEIXA DE EXISTIR MEU PASSADO

É QUASE MEIO DIA.
APERTO O PASSO,
ESPANDO AS ASAS.
UMA COISA DENTRO AVISA, COMO UM RELÓGIO.
“O MUNDO É AGORA,
O MUNDO É ASSIM:”

HOJE, SEM FALTA, VOU EMBORA
(DE MIM)

sábado, 24 de outubro de 2009

De profundis

Transita livremente dentro de mim, pedaços de outras pessoas.
Versos, quinquilharias, álbuns de recordação, sexos.
Dias seguintes e que nunca chegarão.
Tudo que tenho são dos outros.
Dos que não me abraçam mais, ou porque já morreram,
Ou porque foram embora.
Há ainda os que nunca existiram, desses tenho uma especial saudade.
Volta e meia, tento expelir alguns desses pedaços.
É quando finjo/forjo um poema.
E agonizo por alguns dias.
Morto ou não, apareço aqui neste blog,
Dizendo adeus ou olá, para essas poucas pessoas,
ganhando novos pedaços de mim.
Eu sou um monte de pessoas que nunca existiram.

Prometo que logo volto a publicar qualquer coisa sem sentido.
É que tenho sido transfigurado por uma paz comprada em farmácia, e tenho andado surdo de mim.
Abraços àqueles que existem e passam por aqui.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O "NÃO"

Esparso e espasmódico, volto combalido e pergunto a vocês:
O que traduz a vida? Um instante ou a soma deles?
Existe um sim incondicional?
E quem é responsável pelo sim? Sou eu?

Fiz 25 anos hoje. É um quarto de século. É o suficiente para muitas guerras e elas estão todas aqui, acumuladas. Por isso digo que estou combalido. Acreditem em mim.
... 25 anos. Parece muito. E seria.
Mas antes de mim, me antecedendo, o medo. E ele me cobra a fatura.
Por isso meu passo é meio passo. E minha vontade parece vontade nenhuma.
Mas é mentira, No final das contas, é só mentira. Não acreditem em mim, amigos!

Carrego o mundo e ele me pesa.
Às vezes mais, às vezes menos.
E eu, às vezes, Nunca.

Fiz o poema agora. É por isso que ele cheira a tristeza. Perdoem-me.



"O NÃO"

A pequena avidez
nos olhos,
calma.
Nasce nos dedos e,
vida curta, precoce,
morre nos olhos.

A pequena avidez,
de ser jovem
ao meio dia
no fim do mundo.
E sem nenhum lugar pra ir.

A pequena avidez,
de amanhã ser tarde,
de ser dezembro,
de ser promessa.

A pequena avidez
inteligente e sábia
e infantil.
Querendo saber
De onde virá
O NÃO.

Hoje acaba o mundo
E eu não tenho nada.
Nem filhos nem poesia
E nem um abraço na cama
(A cama é fria)
E nenhum barulho na sala
ou na cozinha.
Ou dentro de mim.

Dentro de mim, só a pequena avidez
E ela é muda.
É de mim que vem O "NÃO".

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Conto de fadas para as crianças que insistem em brincar perto do abismo

Transido pelo terror da vontade que recrudesce - aquela chuva no deserto voltou forte - resolvi postar este microconto, escrito há alguns meses, por que me pareceu fortemente emblemático.
Enxerguei nele o contraponto de minha mais recente e mirabolante decisão, na verdade uma decisão antiga, que se "monstrificou" pela força dos últimos acontecimentos. Reverbera o desejo e quando bate forte em mim, vira loucura. vira fuga. Vou seguir viagem.
Saibam todos que continuarei na minha ilha, mas logo parto para outra: Floripa.


LONGE DO CHÃO

Não demorou quase nada. Um vôo curto rumo ao chão.
Agonizou por exatos três minutos e vinte segundos, tempo que seus olhos usaram para admirar os vizinhos nas janelas. O mundo era maior e até mesmo bonito visto daquele ângulo. Dezenove andares de mundo: torre de babel: precipício arquitetônico.
Ninguém chegou antes do cachorro, que lambeu o sangue do rosto dele. Uma coisa quente sobre o rosto. Foi uma lágrima.
O homem chorou? Ou foi o cachorro? Ou teria sido uma primeira gota de chuva?
Ele já estava morto. Antes de pular, segundo ele, já estava quase completamente morto.
Era uma teoria sua: dentro das pessoas, umas partes morrem antes. A morte é uma coisa que vai ficando pronta aos poucos. A morte não é um vôo curto rumo ao chão. A morte demora muito. De modo que, antes de se atirar prédio abaixo, o homem já estava morto.
Logo depois que o corpo foi levado, começou a chover. Os vizinhos chocados voltaram a ver televisão e o cachorro atravessou tranquilamente a rua, se enfiando num beco. O sangue foi lavado da calçada. A chuva levou.
Aquela chuva, anunciada por dias e que não vinha. depois que ele morreu, caiu forte e depressa. E encantou o resto da terça-feira.
A chuva roubou o resto da noite densa e abafada.
Momentos antes o homem desejou muito que chovesse. Ali, na janela, no alto do edifício, de braços abertos, o homem desejou o rosto açoitado por gotas bravias da mais torrencial das chuvas. Do alto do prédio, a cidade toda dele. Quem o visse, reinando altivo daquele jeito, naquela epifania solitária, certamente o amaria.
Três semanas depois, uma mulher se mudou para o apartamento em que o homem morava. Ela descobriu um poema escrito na parede da cozinha, no lugar em costumava ficar a geladeira. E o poema dizia coisas bonitas e tristes. Sobre um velho, uma árvore no meio da sala e muitos pássaros.

domingo, 2 de agosto de 2009

Poema enigmático/revelador

Segue abaixo um prosema feito no impulso, que foi se revelando à medida em que as palavras caiam no papel. Por isso mesmo enigmático. Por isso mesmo revelador.


CITALOPRAM, 20 mg

Tem um sol dentro do meu quarto
E um barulho de riacho perto da cama
E um vento que vem das direções todas

Tem pássaros,
E os seus gorjeios foram inventados agora,
Nova sinfonia para a tarde aberta

Minhas mãos devaneiam pelo ar,
cortando a brisa,
cortando o inefável.
Os meus olhos seguem o som que há dentro do som.
O som que existe dentro do sol.
O sol dentro do meu quarto.

Estou em paz
Morto em paz.
Nova tragédia para a tarde aberta.

O encantamento me arremata,
despedaça meu resto de corpo
e o meu resto de alma.

Indolentemente me sacrifico neste refúgio
que eu inventei
que eu encontrei
dentro de um livro

dentro de uma saudade.

sábado, 1 de agosto de 2009

EMERSÃO

Não sei se foi Clarice (consegui ler de novo) ou Jú (um comentário no Éden perdido), mas tive de volta aquela sensação que perdera há muito. De que há algo dentro de mim que precisa se manifestar. A vontade recrudesceu e eu me vejo agora, no meio dessas palavras, escrevendo novamente, com tudo de bom e de horrível que o ato de escrever me oferece.

E preciso falar aos amigos, aos que já sabiam e aos que saberão agora, e falar aos desconhecidos, e às coisas que já morreram e nos alimentam, e aos deuses impossíveis, e falar aos que jamais ouvirão, que eu imagino, eu espero, estar perto da cura. Estou melhor, vendo as coisas mais claramente e me assustando bem menos com elas. Estou vivo e vivendo. Estou vivo e aprendendo a viver.
Estou aprendendo a dizer que amo as pessoas.
Eu te amo, Valéria, Geisa, Juliana, Danilo, Martirene, Geovana, Rose, Paulinha, Sara, Ivanildo, todo mundo do Vieira e do Trapiche. Sem medo de ser piegas, eu amo.

Estou tornando as coisas simples. Ser medíocre e me conformar com o fato de que as coisas que eu quero jamais serão minhas me fizeram uma pessoa melhor.
É isso: ser uma pessoa melhor é ser uma pessoa menor.
É isso: estou diminuindo e, ainda assim, não caibo em mim.
É uma forma de felicidade. É a forma de felicidade que me cabe. Estou feliz com minha felicidade.
E com saudade de estar perto de muita gente.
E com vontade de virar o azul do céu e a cor que eu não sei qual é, que corre na água do rio.
E por falar em rio, aproveito para terminar falando que emergi. Estou de volta. E consigo respirar.

R.