sábado, 17 de janeiro de 2009

Coisas que eu sou, mesmo não entendendo.

Eu queria deixar as coisas encantadas me tocarem, me dizer mentiras e me fazer sofrer.
Mas sou frágil.
Talvez por isso o meu apreço por pedras.
As pedras - coisas em princípio inabáláveis- são o meu desejo de existência.
Queria ser uma pedra em que as palavras e as vontades não penetrassem.
Mas tudo reverbera em mim com uma força arrebatadora, que me deixa pesado (me deixa deserto) por dias. Imagine só se eu fosse mais de um!
Se resignado à solidão cada coisa ínfima é capaz de me lançar noite adentro, imagina só se me tivesse alguém do lado!
Minha estranheza de Adão não é uma coisa egoísta, muito ao contrário. É pela paz de alguém que eu atravesso sozinho essa sala.
Perdão a esse alguém que, eventualmente e sem nehuma explicação lógica, fosse capaz de me abraçar à noite, e dormir comigo, mesmo sabendo que eu só devolveria silêncio e quem sabe até um pouco de ódio.
Tenho presa dentro de mim uma capacidade imensa de amar. É porque ela é muito grande que eu me assusto tanto.
Mas quero que saibam que eu poderia ser infinito, se não fosse o meu primeiro passo direto para o abismo.
É para não morrer que não amo.
É para não magoar que não amo.
É para não amar que escrevo.
Vou seguir até onde der. Sem paz. Sem nada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Hoje: Alguma coisa para morrer



Um ensaio de um novo conto ou de uma vontade.
Duas tentativas esperando a assunção de seu dono (eu).
Ponto final ou Ponto de Partida?

É bom estar de volta.
É horrível estar de volta.
Para fugir da tragédia, meu novo texto: pequeno e medíocre. Eu sei.




Ponto final. Ponto de Partida


O gosto da água no vidro. A janela. Do ônibus.
As luzes da cidade, confusas luzes, desfocadas luzes. As luzes que ficavam. Luzes que não seriam mais.
Luzes e chuva de ir embora. A vontade de ir embora. Embora a despedida, enquanto signo, enquanto rito, não tivesse acontecido.
Porque chovia ele se aproximou da janela. Tentar enxergar do outro lado.
Nada. Ninguém.
Então ele provou da água e viu, como Deus, que aquilo era bom e não existia antes dele.
Ele era jovem e viveria depois. E muito. E com suas vontades todas.
O medo se dissolveu na boca. Não era uma viagem. Era uma fuga. Por isso nada, ninguém.
Não avisou a mãe, a irmã, o amigo.
O carro cortou a cidade embaciada. E depois, mergulhados no escuro – O carro, o rapaz – seguiram longe. Ambos, coisas cheias de silêncio. Olhando a estrada.
Uma coisa com um gosto novo na boca. Esperava. E ia embora.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sétimo círculo do inferno, 2° recinto

Os suicidas se transformarão em árvores.
Quanto tempo resistirei a meu antibucolismo?
Meu maldito hábito de transigir à covardia,- fico esperando um sinal para o não e o mundo dizendo "vai, brother, pode pular".
A frágil linha - pela qual atravesso o precipício - hoje, por motivos vários, ameaça o rompimento.
Esse mal é coisa de criança que mantém os olhos abertos, sujeitos às surpresas ( ficar adulto, é pra mim, nada mais do que fechar os olhos ).
Fui tentar ajudar uma criança a fechar os olhos e acabei abrindo os meus (ensaio sobre a visão).
Fiquei denso e triste. Meio com medo.
Esvaziar aqui foi pra substituir as outras alternativas.
Desculpem os amigos, e não se preocupem. Nada vai acontecer, deve ser porque deixei de assistir televisão.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Fruto verde e proibido

Vai aí uma coisa de agora à noite, incompleta, como tudo. Não tem sequer um título.
O texto termina com vontade de continuar. E deve acontecer. Depois eu digo se.


Noites geralmente são terríveis, mas não esta. Tem uma tranqüilidade fina derramada, um vento perdido nas cortinas, a luz distante aquecendo tudo. Tudo.
Olhei há pouco meus olhos no espelho. Quase sorri. Quando era mais jovem era capaz de ficar horas em frente ao espelho admirando o fundo do meu olho, o jeito que meu olho tinha de me olhar. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de olhar ela própria.
Sei que devia estar dormindo, mas não conseguiria. Não nesta noite. Uma sensação estranha, como a da infância antes do beijo avassalador me cobre de expectativa. Esperar o que? Esperar o que e com calma. Esperar o que o meu olho me diz sobre mim? Esperar por quem?
Vi no espelho um homem que chorou. Apenas isso, objetivamente; sem motivo, um homem chorou. As bordas dos olhos avermelhadas, uma coisa que arde e que foge: meus olhos ardem e fogem para o escuro. Tateio. Fecho os olhos queimados e perambulo cego pelo apartamento. Esbarro no guarda-louças – que tipo de homem tem um guarda-louças, me pergunto – derrubo um vaso, corto meu pé, caio no sofá e ainda deliberadamente cego, me vejo dançando na sala. Tateio, tateio, tateio e não encontro nada. Meu sangue mancha a sala, na minha cabeça vem de repente um poema.
Respiro fundo e uma sensação de preenchimento total me invade, estou vivo e morrendo. Fico parado pensando naquele antagonismo de processos, tão evidentes desde sempre e que me assaltaram de surpresa. Estou vivo, mas é como se no meu pé, por uma abertura minúscula todo o meu sangue estivesse indo embora de mim. E quando eu fosse embora de mim, em sangue e no que mais eu pudesse expelir, o que restaria? Eu, morto? Ainda seria eu o corpo sem sangue na sala? Afinal de contas o que era eu? Apenas meu sangue dentro de mim?
A dúvida ou a descoberta me faz abrir os olhos, me obriga provar de mim. Experimento um pouco de meu sangue. Descubro que tenho um gosto de ferro. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de provar dela própria.
Fora para isso que não dormira? Que aviso era aquele que havia me dado inconscientemente? “ Olha só, você está vivo, mas está morrendo, por isso trate de sentir o gosto das coisas!”
O vento chega da janela aberta, me aproximo. As ruas estão cheias de vestígios da chuva. Nos últimos dias choveu tanto quanto o que se esperaria para o ano todo, e, por causa dos pequenos dilúvios, não fui trabalhar, inventei uma viagem de emergência pra curtir de casa, da minha janela, dos vidros que me protegiam, a chuva acontecendo. Chover é um fato poético.
Uma coisa que vi na infância e de que nunca me esqueci, a coisa mais bonita que eu já vi: Eu tinha oito anos e vi, a porta aberta, a água invadindo a casa. Eu estava só, cheguei mais perto da porta, molhei meus pés e depois meu corpo inteiro na chuva. Andei, passo depois de passo, sem obstáculos. Olhei para a frente, para os lados, para cima e tudo que eu via era um cinza uniforme e singular. Girei meu pescoço, tentei apurar a vista, procurar a casa, mas ela não estava mais lá. Era apenas eu, que não me via, e que portanto não existia. Existia apenas o cinza, que a partir daquela tarde passou a ser para mim a cor associada ao nada em que eu podia me transformar. No cinza da chuva eu simplesmente não existia naquela forma convencional de criança. Era o mesmo cinza que eu via no fundo de meu olho no espelho.
Na chuva eu desaparecia.
O sangue na minha boca tinha a cor viva do sangue. O vermelho e aquela noite me exigiam um outra coisa que eu não adivinhava. Apenas que aquela não era uma noite para chover. Era uma noite para sol.

domingo, 4 de janeiro de 2009

VOZ DE EVA

O "Voz de Eva" chega atrasado, mas chega se fazendo ouvir e importante. E especial.
A dissonância dessa vez é de alguém que vive me ensinando as coisas: Geisa Sabine.
Senhoras e senhores, ela não precisa de papel ou nada para a poesia. Talvez por isso seus escritos sejam tão pessoais. O poema a seguir vai meio contra a vontade dela, eu acho. Vai na contramão de seu medo (ela às vezes não quer ser ouvida).
Vai sem título (ela desejou uma coisa sem nome?), mas eu gostaria de que "eventuais leitores" sugerissem um.
Começando a brincadeira e encantado com uma cena do "prosema", eu pensei em " Poodle por fora. Mulher por dentro".
Torço que ela saiba o que eu quis dizer.

And so it is




Eu passei a caminhar numa direção que não a sua.
Não queria estas páginas borradas, mas os meus olhos insistem em chover.
Enquanto os meus pés seguem o norte, o calor, os seus seguem a direção contrária, o frio.
Como pudemos ser tão tolos e nos deixarmos enganar por uma cortina?
Toda a verdade estava atrás, por isto, hoje agradeço ao poodle brincalhão.
Nossos sorrisos, nosso humor, nossa alegria, tudo se embotou quando a cortina caiu.
Não dissemos mais coisa alguma, não nos olhamos.
É triste quando termina uma farsa, nós devíamos ter descoberto antes do acaso, este grande bisbilhoteiro.
Não encaro o acaso até hoje, mas eu só choro quando não sinto vontade, pois quando sinto ela vai embora, a vontade.
Eu perguntava à pedra se o calor não estava em demasia, ela seguia me respondendo que o frio contrai os músculos e torna as pessoas tensas e igualmente frias.
Senti tanta raiva que quase chutei a pedra, mas não foi pelo que ela disse, eu apenas não via mais o que estava atrás de mim.
Descobri por mim mesma que um dia o passado fica embaçado, e que muitas lembranças perdem o sentido e suplicam pelo esquecimento. Eu não esqueci o meu passado, só não o via mais em minhas costas.


(Geisa Sabine, poeta)

1° livro à mão, Pg 69, linha 26: Primeira frase inteira

Estava escrito:

" Cada indivíduo isolado vive sujeito a considerar esse caos como uma unidade e fala de seu eu como se fora um ente simples, bem formado, claramente definido "

Nada poderia me transgredir melhor como o que trouxe o acaso. Subverter o que eu achava e me ler, assim tão claro, tão paterno. A frase, eu jurava que não era eu a frase, mas agora eu estou lá. Não estou mais aqui.
Fui embora para o meio de um livro por culpa de Juliana (thanks for that!!!)

PS: Pequena vingança irresistível: Não vou citar livro nem autor. Uma maçã envenenada para quem descobrir!

sábado, 3 de janeiro de 2009

BAR DO VIEIRA, HOJE À TARDE

Ele ignorou o celular que insistia. Preferiu continuar extasiado com o homem que improvisava uma cuíca com a boca. No bar, umas onze pessoas.

Já tinha parado de chover, mas continuavam todos ali, platéia de si mesmos. Até quem apenas ouvia, como ele, o que ignorava as chamadas telefônicas, compunha o ambiente cênico de uma tarde mágica.

Iraci, a dançarina performática, Iraci, a dançarina poética: desbravou um pequi, mendigou a cerveja dos alheios, girou no salão apertado encontrando olhos admirados, gargalhou como uma boneca, deu uma volta na praça e depois foi embora, descalça, carregando sua graça bailarina.

Tinha João de Germano, que derrubou o resto de dia com a voz, e a quem atribuíram o poder de ter feito chover naquela tarde. Cantava as músicas sem se preocupar com as arrebatações que provocava. Fazia amor com as mulheres de Noel Rosa, Cartola, Martinho da Vila, Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves e outros cavaleiros da boemia. Era o maior cantor desconhecido de todos os tempos, um mito escondido, compartilhado por aqueles poucos do cais.

Entre os estranhos, o rapaz que não atendia o telefone viu também a professora de pouco tempo atrás, Carminha devia ser o nome. Ela não o reconheceu de volta, embora cantasse olhando e rindo demais pra ele.

Havia as pessoas caladas, as pessoas “olhos e ouvidos”, que batiam palmas, bebiam suas cervejas, ruminavam seus elogios, e transpiravam sua emoção. Aquelas pessoas poderiam, facilmente, se transformarem em novos versos.

O dono do violão, dono do bar, dono provisório das pessoas dali, Vieira, (re)criador do Jardim do Éden, poeta só de olhar, finalizava com seu dedilhar a trupe enfeitiçada que ficou ali por horas, hoje à tarde e pela memória a fora.

E o rapaz do telefone jura que esteve lá, mesmo não cabendo no elenco. Pode provar porque fez um vídeo e depois esse cronema (crônica-poema). Porque saiu do bar e foi embora sem agradecer ou se despedir, embora houvesse desejado fortemente os abraços dos estranhos especiais. Ele pede desculpas, mas gosta de ser essa coisa muda, de quem não sabem. Mais do que isso, precisava continuar a ser um fantasma.

O fantasma jura que esteve lá. Quem quiser conferir pode ir até lá um sábado desses e torcer para que o delírio aconteça. O bar do Vieira fica no Mercado Cultural Caparrosa, ao lado da Bodega do Edézio, perto do cais de Barreiras, dentro desse mundo mesmo.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ao sabor do vinho e das confissões...

Começei hoje minha coleção de pedras.
Talvez pela sensação das coisas concretas.
De coisas sem vazio dentro de si.
Pela vontade de possuir contornos diferentes.
As primeiras são três e vieram de um rio que passou hoje à tarde.
E posso dizer que tive uma tarde/noite Mastroianni (agradecendo ao JP Cuenca o termo para o indefinível!).
Não foi bem felicidade o que senti. Felicidade é uma coisa mais rara e pesada do que minhas pedras. Foi um curso intensivo de liberdade.
Me acompanhavam nessa tarde outras três pedras - Danilo, Sara e Geisa - que cuidaram de me ensinar, entre outras coisas (polêmicas e/ou impublicáveis) que:
- Emoção é emoção. Razão é apenas falta de emoção. (Esta vai para a série de coisas que eu não acho, mas são!)
De modo que eu cheguei em casa suado, cheio de areia, levemente embriagado e sem nenhum sono. Liguei, autômato, imediatamente, a caixa mágica onde todos guardam tudo (onde guardo minha estranheza de Adão) e fiquei por minutos calado, os olhos vagos. Até que nesta minha boca nasceram as bactérias, as flores, as poesias (essas frases que não me entendem).
Eu, cuja maior coisa que fizera antes do reveillon tinha sido lavar a louça de dias, descobri, encantadora e repentinamente, meu imenso apreço por pedras:
pedras-fatos
pedras-objeto
pedras de lugares onde estive
e, principalmente, pedras-pessoas.