sábado, 3 de janeiro de 2009

BAR DO VIEIRA, HOJE À TARDE

Ele ignorou o celular que insistia. Preferiu continuar extasiado com o homem que improvisava uma cuíca com a boca. No bar, umas onze pessoas.

Já tinha parado de chover, mas continuavam todos ali, platéia de si mesmos. Até quem apenas ouvia, como ele, o que ignorava as chamadas telefônicas, compunha o ambiente cênico de uma tarde mágica.

Iraci, a dançarina performática, Iraci, a dançarina poética: desbravou um pequi, mendigou a cerveja dos alheios, girou no salão apertado encontrando olhos admirados, gargalhou como uma boneca, deu uma volta na praça e depois foi embora, descalça, carregando sua graça bailarina.

Tinha João de Germano, que derrubou o resto de dia com a voz, e a quem atribuíram o poder de ter feito chover naquela tarde. Cantava as músicas sem se preocupar com as arrebatações que provocava. Fazia amor com as mulheres de Noel Rosa, Cartola, Martinho da Vila, Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves e outros cavaleiros da boemia. Era o maior cantor desconhecido de todos os tempos, um mito escondido, compartilhado por aqueles poucos do cais.

Entre os estranhos, o rapaz que não atendia o telefone viu também a professora de pouco tempo atrás, Carminha devia ser o nome. Ela não o reconheceu de volta, embora cantasse olhando e rindo demais pra ele.

Havia as pessoas caladas, as pessoas “olhos e ouvidos”, que batiam palmas, bebiam suas cervejas, ruminavam seus elogios, e transpiravam sua emoção. Aquelas pessoas poderiam, facilmente, se transformarem em novos versos.

O dono do violão, dono do bar, dono provisório das pessoas dali, Vieira, (re)criador do Jardim do Éden, poeta só de olhar, finalizava com seu dedilhar a trupe enfeitiçada que ficou ali por horas, hoje à tarde e pela memória a fora.

E o rapaz do telefone jura que esteve lá, mesmo não cabendo no elenco. Pode provar porque fez um vídeo e depois esse cronema (crônica-poema). Porque saiu do bar e foi embora sem agradecer ou se despedir, embora houvesse desejado fortemente os abraços dos estranhos especiais. Ele pede desculpas, mas gosta de ser essa coisa muda, de quem não sabem. Mais do que isso, precisava continuar a ser um fantasma.

O fantasma jura que esteve lá. Quem quiser conferir pode ir até lá um sábado desses e torcer para que o delírio aconteça. O bar do Vieira fica no Mercado Cultural Caparrosa, ao lado da Bodega do Edézio, perto do cais de Barreiras, dentro desse mundo mesmo.

2 comentários:

  1. Ronaldo!!!
    Bem-vindo ao mundo dos/as blogueiros/as!!!

    Adoro esse seu jeito de escrever sobre as coisas cotidianas, como um observador atento a tudo e a todos.

    Será um prazer incrível visitar-te com frequencia!

    Bjãooooooo

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  2. Rapaz esponja, que de tudo sentiu um pouco. E para não invadir demais todo o sentimento que ali estava, se evadiu.

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