sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Diário da noite no deserto. No céu, Apocalipse e chuva

Segue aí um texto feito há alguns meses atrás que encontrei entre papéis avulsos e, como sempre, defenestráveis.


Depois de um tempo sozinho no quarto suas unhas começam a enegrecer.
E nasce nas entranhas um desejo esfacelado, que vira na segunda à esquerda do seu peito, eleva-se contra a gravidade e divide-se numa bifurcação, vindo desaguar bem ali, na cavidade dos olhos.
Você é o meio de uma coisa, de um acontecimento.
Só que você não entende a cor da abóbada, e nem por que todos os anjos estão ao contrário, rezando contra o advento.
Para se certificar de que não é um sonho, você arranca um dos braços. Percebe logo que poesia seduz e assassina.
À revelia de sua junta médica, você vai ao encontro com Clarice Lispector. E chagando lá, nota que ela também não tem um dos membros. Ela fala alguma coisa sobre o preço do tomate e então começa a chover.
O dia acaba em cinco minutos, você volta pra casa e ao chegar encontra seu filho morto na banheira, uma boca da cor de Marcelo Mirisola.
Logo depois de jantar, arroz com fritas e cinema, você leva o corpo de seu filho ao supermercado e o troca por cinco garrafas de coca-cola. Suas unhas começam então a voltar ao normal.
Não obstante a paz alcançada, você recolhe um verso que acabou de brotar no asfalto da avenida. Naquela avenida trafegam apenas porcos e caminhões.
Perto de você, esperam também pelo sol, Hilda Hilst e Dalton Trevisan. Eles estão rindo. De você.
Você vai dizer e todos acreditarão que é delírio.
Mas no mesmo rosto, no seu rosto, disputa espaço com a mentira, uma expressão de dor pelo braço arrancado.
E nos olhos, ainda escorre um pouco daquele líquido traiçoeiro do desejo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Agonia psicografada de alguém ainda vivo

OLHA EU AQUI DE NOVO, NO BLOG. OLHA EU ALI DE NOVO, NO TEXTO...


E é assim que se admite a própria mediocridade, sorrindo no escuro, em frente aos dementes e/ou coléricos. Pedindo, se admite a mediocridade.
Entre os versos esparsos e as drogas pacificadoras, escondido dos familiares que se dividem entre o assombro, pena e desprezo, está você, dentro do quarto, fora do mundo, sorrindo, no escuro.
Estoicamente, você espera pela mão salvadora que te arrancaria do deserto e te levaria até onde houvesse o que matasse a tua sede.
Devassado por si mesmo e odiado por si mesmo, você não reluta mais e pensa em alternativas moral e religiosamente censuráveis: práticas autocondenatórias, suicídios nada originais e fugas impraticáveis. (Você é medíocre afinal).
Descobre um substantivo novo. Abraça forte o animal de estimação falecido. Descobre flores sob a cama. É seduzido pelo lamento cálido de um inseto.
Reduzido, você se mastiga e se cospe. E no chão do quarto, no escuro, você ainda tem a sensação abominável dos seus dentes em sorriso.
Quase louco. Quase morto. Quase pronto para se despir. Você inventa uma coisa para, hermeticamente, gritar aos outros, aqui no blog, que você quer VIVER. Urgentemente.
Me ajudem.