Fiz agora: uma declaração entre parênteses (recurso literário subvertido à guisa de hermetizar)
Talvez muito tarde, como muita coisa.
Mas fiz antes de ser tarde demais, quando não será possível fazer mais nada.
Fiz para Jú. E quem quizer entender, ou terá que ver o blog dela, ou perguntar pra ela.
Porque, de minha parte, cheguei ao silêncio. Não falarei mais.
(O silêncio, para quem não sabe, é o estágio limiar entre o cansaço total da vida e a transcendência total da vida!)
Feliz aniversário Jú.
Essa coisa que vai aí embaixo - não sei o quê, nem de onde - é um abraço que não sei.
Listen:
Dama. Da noite
A flor gosta de Física, ela diz de si.
E desabrochou no quintal da mãe, dois dias depois de reflorescer fora dele.
(Onde é mais difícil ser flor)
A flor é encantada.
E a ela são atribuidos certos milagres, tais como:
Manter vivo um amigo.
Ela é uma flor branca
(da cor dos arrependimentos)
(E o amigo sobrevivente ri da ironia, sozinho, só ele entende. Ri e sobrevive)
(Ele, que jamais será flor)
(Pede desculpas e sai de cena novamente)
(Para morrer, de um jeito ou de dois)
(Perdoado (espera-se) por esquecer)
(E condenado por sucumbir, mesmo tendo contado, na vida, com pessoas que, de noite, no escuro, floresceram para ele. Existiram.) (E despertaram amor)
Jú, feliz aniversário.
Antes do fim, ou do ponto seguimento: Love you sweet!
Ps: ...
sexta-feira, 3 de abril de 2009
domingo, 15 de março de 2009
Closed eyes
É tarde demais para muita coisa, eu sei. Eu descobri há muito.
Tarde demais, mesmo para conseguir ficar longe daqui: Casa de se esconder. Escuro de se acender.
E perto demais do chão. Perto demais dos pequenos monstros que desbravam o chão - imundo chão, impuro chão - do lugar em que vivo (sobrevivo).
Eu, também inseto kafkiano, on the floor.
Quase chorando.
Quase desistindo.
Esperando a noite passar,
o ano passar,
Esperando a vida passar com o mínimo de dor possível.
Missão: atravessar incólume e de olhos fechados o labirinto.
...
Mas se vocês estiverem aí, por favor, me toquem.
Não me deixem só. Por mais que eu queira ou precise.
Tarde demais, mesmo para conseguir ficar longe daqui: Casa de se esconder. Escuro de se acender.
E perto demais do chão. Perto demais dos pequenos monstros que desbravam o chão - imundo chão, impuro chão - do lugar em que vivo (sobrevivo).
Eu, também inseto kafkiano, on the floor.
Quase chorando.
Quase desistindo.
Esperando a noite passar,
o ano passar,
Esperando a vida passar com o mínimo de dor possível.
Missão: atravessar incólume e de olhos fechados o labirinto.
...
Mas se vocês estiverem aí, por favor, me toquem.
Não me deixem só. Por mais que eu queira ou precise.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Arrependimentos brancos

Tenho pensado em flores, vivas e mortas.
E tenho pensado no caminho do sangue,
no meu corpo,
fora dele,
vivos e mortos, meu sangue e eu.
Tenho chorado pouco, sinal de que algo vai mal.
Alguma coisa está se acumulando e esperando a erupção: tragédia para quarta-feira de cinzas!
Essa semana e até lá, fico pensando: nas flores!
Flores sobre mim,
no meu enterro.
Daqui a pouco.
Daqui cem anos.
Quero flores brancas!
Da cor dos meus arrependimentos.
sábado, 7 de fevereiro de 2009
Um poema para a carência
Sabeis amigos, é importante: não é sempre que quero estar só.
Hoje, por exemplo, por uma tarde melancólica e densa de carência de não-sei-o-quê, veio, relâmpago, um poema (por falta de nome que o classifique) que traduz essa confissão.
Este vosso amigo está só e estará sempre, mas por momentos alguns, relâmpagos, desejaria entre os braços alguém que não existe e que ele não quer (ou não pode) conhecer.
O poema vai como veio, com as imperfeições dos arroubos, dos impulsos, e com a verdade (palavra temerária) de quem não corrige o texto para não correr o risco de dizer o que não sente. Ou para não correr o risco de sentir de novo o que escreveu.
Poema da carência (que passará)
Depois que o sol secar meu rosto,
Seu rosto,
Do mar que não tocamos,
Você, que não existe,
Eu que não quero existir,
Estaremos enfim, novamente
Resignados e sem medo de continuar.
Inconscientes um do outro,
Mas esperando...
A palavra.
O encontro.
A vontade de existir.
Eu em você.
Você em mim.
Antes de o mar molhar meu rosto,
Seu rosto,
Sem a garantia do sol protetor,
Você, que não me conhece,
Eu que não quero te conhecer
(porque sou estranho Adão)
Estaremos assim, plenamente,
Inconscientes um do outro,
Eufóricos e esperançosos.
Mas apenas
Esperando.
Hoje, por exemplo, por uma tarde melancólica e densa de carência de não-sei-o-quê, veio, relâmpago, um poema (por falta de nome que o classifique) que traduz essa confissão.
Este vosso amigo está só e estará sempre, mas por momentos alguns, relâmpagos, desejaria entre os braços alguém que não existe e que ele não quer (ou não pode) conhecer.
O poema vai como veio, com as imperfeições dos arroubos, dos impulsos, e com a verdade (palavra temerária) de quem não corrige o texto para não correr o risco de dizer o que não sente. Ou para não correr o risco de sentir de novo o que escreveu.
Poema da carência (que passará)
Depois que o sol secar meu rosto,
Seu rosto,
Do mar que não tocamos,
Você, que não existe,
Eu que não quero existir,
Estaremos enfim, novamente
Resignados e sem medo de continuar.
Inconscientes um do outro,
Mas esperando...
A palavra.
O encontro.
A vontade de existir.
Eu em você.
Você em mim.
Antes de o mar molhar meu rosto,
Seu rosto,
Sem a garantia do sol protetor,
Você, que não me conhece,
Eu que não quero te conhecer
(porque sou estranho Adão)
Estaremos assim, plenamente,
Inconscientes um do outro,
Eufóricos e esperançosos.
Mas apenas
Esperando.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Passando aqui para me autopromover
Estranho Adão, vagante e divagante volta do paraíso para este blog.
Vem se autopromover. Olha só você que não me lê: visite o historiaspossiveis.wordpress.com .
É uma revista literária eletrônica que tem como editor o André de Leones, escritor vencedor do prêmio Sesc de Literatura de 2005 e que curtiu um conto meu !!! e o publicou!!!
Acreditem se quiser, agora sou mais que um falso escritor não publicado e não lido, sou um falso escritor PUBLICADO e não lido!
Quem quiser conhecer a história passe por lá e deixe um comentário (lá e aqui e onde mais quiser).
Um escritor é uma espécie inferior de mendigo, por isso o apelo.
Ah, depois venho aqui pra falar sobre a viagem a Ibotirama e minha nova pedra.
Saudades de mim aqui.
Vem se autopromover. Olha só você que não me lê: visite o historiaspossiveis.wordpress.com .
É uma revista literária eletrônica que tem como editor o André de Leones, escritor vencedor do prêmio Sesc de Literatura de 2005 e que curtiu um conto meu !!! e o publicou!!!
Acreditem se quiser, agora sou mais que um falso escritor não publicado e não lido, sou um falso escritor PUBLICADO e não lido!
Quem quiser conhecer a história passe por lá e deixe um comentário (lá e aqui e onde mais quiser).
Um escritor é uma espécie inferior de mendigo, por isso o apelo.
Ah, depois venho aqui pra falar sobre a viagem a Ibotirama e minha nova pedra.
Saudades de mim aqui.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Coisas que eu sou, mesmo não entendendo.
Eu queria deixar as coisas encantadas me tocarem, me dizer mentiras e me fazer sofrer.
Mas sou frágil.
Talvez por isso o meu apreço por pedras.
As pedras - coisas em princípio inabáláveis- são o meu desejo de existência.
Queria ser uma pedra em que as palavras e as vontades não penetrassem.
Mas tudo reverbera em mim com uma força arrebatadora, que me deixa pesado (me deixa deserto) por dias. Imagine só se eu fosse mais de um!
Se resignado à solidão cada coisa ínfima é capaz de me lançar noite adentro, imagina só se me tivesse alguém do lado!
Minha estranheza de Adão não é uma coisa egoísta, muito ao contrário. É pela paz de alguém que eu atravesso sozinho essa sala.
Perdão a esse alguém que, eventualmente e sem nehuma explicação lógica, fosse capaz de me abraçar à noite, e dormir comigo, mesmo sabendo que eu só devolveria silêncio e quem sabe até um pouco de ódio.
Tenho presa dentro de mim uma capacidade imensa de amar. É porque ela é muito grande que eu me assusto tanto.
Mas quero que saibam que eu poderia ser infinito, se não fosse o meu primeiro passo direto para o abismo.
É para não morrer que não amo.
É para não magoar que não amo.
É para não amar que escrevo.
Vou seguir até onde der. Sem paz. Sem nada.
Mas sou frágil.
Talvez por isso o meu apreço por pedras.
As pedras - coisas em princípio inabáláveis- são o meu desejo de existência.
Queria ser uma pedra em que as palavras e as vontades não penetrassem.
Mas tudo reverbera em mim com uma força arrebatadora, que me deixa pesado (me deixa deserto) por dias. Imagine só se eu fosse mais de um!
Se resignado à solidão cada coisa ínfima é capaz de me lançar noite adentro, imagina só se me tivesse alguém do lado!
Minha estranheza de Adão não é uma coisa egoísta, muito ao contrário. É pela paz de alguém que eu atravesso sozinho essa sala.
Perdão a esse alguém que, eventualmente e sem nehuma explicação lógica, fosse capaz de me abraçar à noite, e dormir comigo, mesmo sabendo que eu só devolveria silêncio e quem sabe até um pouco de ódio.
Tenho presa dentro de mim uma capacidade imensa de amar. É porque ela é muito grande que eu me assusto tanto.
Mas quero que saibam que eu poderia ser infinito, se não fosse o meu primeiro passo direto para o abismo.
É para não morrer que não amo.
É para não magoar que não amo.
É para não amar que escrevo.
Vou seguir até onde der. Sem paz. Sem nada.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Hoje: Alguma coisa para morrer
Um ensaio de um novo conto ou de uma vontade.
Duas tentativas esperando a assunção de seu dono (eu).
Ponto final ou Ponto de Partida?
É bom estar de volta.
É horrível estar de volta.
Para fugir da tragédia, meu novo texto: pequeno e medíocre. Eu sei.

Ponto final. Ponto de Partida
O gosto da água no vidro. A janela. Do ônibus.
As luzes da cidade, confusas luzes,
desfocadas luzes. As luzes que ficavam. Luzes que não seriam mais.
Luzes e chuva de ir embora. A vontade de ir embora. Embora a despedida, enquanto signo, enquanto rito, não tivesse acontecido.
Porque chovia ele se aproximou da janela. Tentar enxergar do outro lado.
Nada. Ninguém.
Então ele provou da água e viu, como Deus, que aquilo era bom e não existia antes dele.
Ele era jovem e viveria depois. E muito. E com suas vontades todas.
O medo se dissolveu na boca. Não era uma viagem. Era uma fuga. Por isso nada, ninguém.
Não avisou a mãe, a irmã, o amigo.
O carro cortou a cidade embaciada. E depois, mergulhados no escuro – O carro, o rapaz – seguiram longe. Ambos, coisas cheias de silêncio. Olhando a estrada.
Uma coisa com um gosto novo na boca. Esperava. E ia embora.
Duas tentativas esperando a assunção de seu dono (eu).
Ponto final ou Ponto de Partida?
É bom estar de volta.
É horrível estar de volta.
Para fugir da tragédia, meu novo texto: pequeno e medíocre. Eu sei.

Ponto final. Ponto de Partida
O gosto da água no vidro. A janela. Do ônibus.
As luzes da cidade, confusas luzes,

Luzes e chuva de ir embora. A vontade de ir embora. Embora a despedida, enquanto signo, enquanto rito, não tivesse acontecido.
Porque chovia ele se aproximou da janela. Tentar enxergar do outro lado.
Nada. Ninguém.
Então ele provou da água e viu, como Deus, que aquilo era bom e não existia antes dele.
Ele era jovem e viveria depois. E muito. E com suas vontades todas.
O medo se dissolveu na boca. Não era uma viagem. Era uma fuga. Por isso nada, ninguém.
Não avisou a mãe, a irmã, o amigo.
O carro cortou a cidade embaciada. E depois, mergulhados no escuro – O carro, o rapaz – seguiram longe. Ambos, coisas cheias de silêncio. Olhando a estrada.
Uma coisa com um gosto novo na boca. Esperava. E ia embora.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Sétimo círculo do inferno, 2° recinto
Os suicidas se transformarão em árvores.
Quanto tempo resistirei a meu antibucolismo?
Meu maldito hábito de transigir à covardia,- fico esperando um sinal para o não e o mundo dizendo "vai, brother, pode pular".
A frágil linha - pela qual atravesso o precipício - hoje, por motivos vários, ameaça o rompimento.
Esse mal é coisa de criança que mantém os olhos abertos, sujeitos às surpresas ( ficar adulto, é pra mim, nada mais do que fechar os olhos ).
Fui tentar ajudar uma criança a fechar os olhos e acabei abrindo os meus (ensaio sobre a visão).
Fiquei denso e triste. Meio com medo.
Esvaziar aqui foi pra substituir as outras alternativas.
Desculpem os amigos, e não se preocupem. Nada vai acontecer, deve ser porque deixei de assistir televisão.
Quanto tempo resistirei a meu antibucolismo?
Meu maldito hábito de transigir à covardia,- fico esperando um sinal para o não e o mundo dizendo "vai, brother, pode pular".
A frágil linha - pela qual atravesso o precipício - hoje, por motivos vários, ameaça o rompimento.
Esse mal é coisa de criança que mantém os olhos abertos, sujeitos às surpresas ( ficar adulto, é pra mim, nada mais do que fechar os olhos ).
Fui tentar ajudar uma criança a fechar os olhos e acabei abrindo os meus (ensaio sobre a visão).
Fiquei denso e triste. Meio com medo.
Esvaziar aqui foi pra substituir as outras alternativas.
Desculpem os amigos, e não se preocupem. Nada vai acontecer, deve ser porque deixei de assistir televisão.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Fruto verde e proibido
Vai aí uma coisa de agora à noite, incompleta, como tudo. Não tem sequer um título.
O texto termina com vontade de continuar. E deve acontecer. Depois eu digo se.
Noites geralmente são terríveis, mas não esta. Tem uma tranqüilidade fina derramada, um vento perdido nas cortinas, a luz distante aquecendo tudo. Tudo.
Olhei há pouco meus olhos no espelho. Quase sorri. Quando era mais jovem era capaz de ficar horas em frente ao espelho admirando o fundo do meu olho, o jeito que meu olho tinha de me olhar. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de olhar ela própria.
Sei que devia estar dormindo, mas não conseguiria. Não nesta noite. Uma sensação estranha, como a da infância antes do beijo avassalador me cobre de expectativa. Esperar o que? Esperar o que e com calma. Esperar o que o meu olho me diz sobre mim? Esperar por quem?
Vi no espelho um homem que chorou. Apenas isso, objetivamente; sem motivo, um homem chorou. As bordas dos olhos avermelhadas, uma coisa que arde e que foge: meus olhos ardem e fogem para o escuro. Tateio. Fecho os olhos queimados e perambulo cego pelo apartamento. Esbarro no guarda-louças – que tipo de homem tem um guarda-louças, me pergunto – derrubo um vaso, corto meu pé, caio no sofá e ainda deliberadamente cego, me vejo dançando na sala. Tateio, tateio, tateio e não encontro nada. Meu sangue mancha a sala, na minha cabeça vem de repente um poema.
Respiro fundo e uma sensação de preenchimento total me invade, estou vivo e morrendo. Fico parado pensando naquele antagonismo de processos, tão evidentes desde sempre e que me assaltaram de surpresa. Estou vivo, mas é como se no meu pé, por uma abertura minúscula todo o meu sangue estivesse indo embora de mim. E quando eu fosse embora de mim, em sangue e no que mais eu pudesse expelir, o que restaria? Eu, morto? Ainda seria eu o corpo sem sangue na sala? Afinal de contas o que era eu? Apenas meu sangue dentro de mim?
A dúvida ou a descoberta me faz abrir os olhos, me obriga provar de mim. Experimento um pouco de meu sangue. Descubro que tenho um gosto de ferro. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de provar dela própria.
Fora para isso que não dormira? Que aviso era aquele que havia me dado inconscientemente? “ Olha só, você está vivo, mas está morrendo, por isso trate de sentir o gosto das coisas!”
O vento chega da janela aberta, me aproximo. As ruas estão cheias de vestígios da chuva. Nos últimos dias choveu tanto quanto o que se esperaria para o ano todo, e, por causa dos pequenos dilúvios, não fui trabalhar, inventei uma viagem de emergência pra curtir de casa, da minha janela, dos vidros que me protegiam, a chuva acontecendo. Chover é um fato poético.
Uma coisa que vi na infância e de que nunca me esqueci, a coisa mais bonita que eu já vi: Eu tinha oito anos e vi, a porta aberta, a água invadindo a casa. Eu estava só, cheguei mais perto da porta, molhei meus pés e depois meu corpo inteiro na chuva. Andei, passo depois de passo, sem obstáculos. Olhei para a frente, para os lados, para cima e tudo que eu via era um cinza uniforme e singular. Girei meu pescoço, tentei apurar a vista, procurar a casa, mas ela não estava mais lá. Era apenas eu, que não me via, e que portanto não existia. Existia apenas o cinza, que a partir daquela tarde passou a ser para mim a cor associada ao nada em que eu podia me transformar. No cinza da chuva eu simplesmente não existia naquela forma convencional de criança. Era o mesmo cinza que eu via no fundo de meu olho no espelho.
Na chuva eu desaparecia.
O sangue na minha boca tinha a cor viva do sangue. O vermelho e aquela noite me exigiam um outra coisa que eu não adivinhava. Apenas que aquela não era uma noite para chover. Era uma noite para sol.
O texto termina com vontade de continuar. E deve acontecer. Depois eu digo se.
Noites geralmente são terríveis, mas não esta. Tem uma tranqüilidade fina derramada, um vento perdido nas cortinas, a luz distante aquecendo tudo. Tudo.
Olhei há pouco meus olhos no espelho. Quase sorri. Quando era mais jovem era capaz de ficar horas em frente ao espelho admirando o fundo do meu olho, o jeito que meu olho tinha de me olhar. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de olhar ela própria.
Sei que devia estar dormindo, mas não conseguiria. Não nesta noite. Uma sensação estranha, como a da infância antes do beijo avassalador me cobre de expectativa. Esperar o que? Esperar o que e com calma. Esperar o que o meu olho me diz sobre mim? Esperar por quem?
Vi no espelho um homem que chorou. Apenas isso, objetivamente; sem motivo, um homem chorou. As bordas dos olhos avermelhadas, uma coisa que arde e que foge: meus olhos ardem e fogem para o escuro. Tateio. Fecho os olhos queimados e perambulo cego pelo apartamento. Esbarro no guarda-louças – que tipo de homem tem um guarda-louças, me pergunto – derrubo um vaso, corto meu pé, caio no sofá e ainda deliberadamente cego, me vejo dançando na sala. Tateio, tateio, tateio e não encontro nada. Meu sangue mancha a sala, na minha cabeça vem de repente um poema.
Respiro fundo e uma sensação de preenchimento total me invade, estou vivo e morrendo. Fico parado pensando naquele antagonismo de processos, tão evidentes desde sempre e que me assaltaram de surpresa. Estou vivo, mas é como se no meu pé, por uma abertura minúscula todo o meu sangue estivesse indo embora de mim. E quando eu fosse embora de mim, em sangue e no que mais eu pudesse expelir, o que restaria? Eu, morto? Ainda seria eu o corpo sem sangue na sala? Afinal de contas o que era eu? Apenas meu sangue dentro de mim?
A dúvida ou a descoberta me faz abrir os olhos, me obriga provar de mim. Experimento um pouco de meu sangue. Descubro que tenho um gosto de ferro. Surpreendente e perigoso isso de uma coisa ser capaz de provar dela própria.
Fora para isso que não dormira? Que aviso era aquele que havia me dado inconscientemente? “ Olha só, você está vivo, mas está morrendo, por isso trate de sentir o gosto das coisas!”
O vento chega da janela aberta, me aproximo. As ruas estão cheias de vestígios da chuva. Nos últimos dias choveu tanto quanto o que se esperaria para o ano todo, e, por causa dos pequenos dilúvios, não fui trabalhar, inventei uma viagem de emergência pra curtir de casa, da minha janela, dos vidros que me protegiam, a chuva acontecendo. Chover é um fato poético.
Uma coisa que vi na infância e de que nunca me esqueci, a coisa mais bonita que eu já vi: Eu tinha oito anos e vi, a porta aberta, a água invadindo a casa. Eu estava só, cheguei mais perto da porta, molhei meus pés e depois meu corpo inteiro na chuva. Andei, passo depois de passo, sem obstáculos. Olhei para a frente, para os lados, para cima e tudo que eu via era um cinza uniforme e singular. Girei meu pescoço, tentei apurar a vista, procurar a casa, mas ela não estava mais lá. Era apenas eu, que não me via, e que portanto não existia. Existia apenas o cinza, que a partir daquela tarde passou a ser para mim a cor associada ao nada em que eu podia me transformar. No cinza da chuva eu simplesmente não existia naquela forma convencional de criança. Era o mesmo cinza que eu via no fundo de meu olho no espelho.
Na chuva eu desaparecia.
O sangue na minha boca tinha a cor viva do sangue. O vermelho e aquela noite me exigiam um outra coisa que eu não adivinhava. Apenas que aquela não era uma noite para chover. Era uma noite para sol.
domingo, 4 de janeiro de 2009
VOZ DE EVA
O "Voz de Eva" chega atrasado, mas chega se fazendo ouvir e importante. E especial.
A dissonância dessa vez é de alguém que vive me ensinando as coisas: Geisa Sabine.
Senhoras e senhores, ela não precisa de papel ou nada para a poesia. Talvez por isso seus escritos sejam tão pessoais. O poema a seguir vai meio contra a vontade dela, eu acho. Vai na contramão de seu medo (ela às vezes não quer ser ouvida).
Vai sem título (ela desejou uma coisa sem nome?), mas eu gostaria de que "eventuais leitores" sugerissem um.
Começando a brincadeira e encantado com uma cena do "prosema", eu pensei em " Poodle por fora. Mulher por dentro".
Torço que ela saiba o que eu quis dizer.
And so it is
Eu passei a caminhar numa direção que não a sua.
Não queria estas páginas borradas, mas os meus olhos insistem em chover.
Enquanto os meus pés seguem o norte, o calor, os seus seguem a direção contrária, o frio.
Como pudemos ser tão tolos e nos deixarmos enganar por uma cortina?
Toda a verdade estava atrás, por isto, hoje agradeço ao poodle brincalhão.
Nossos sorrisos, nosso humor, nossa alegria, tudo se embotou quando a cortina caiu.
Não dissemos mais coisa alguma, não nos olhamos.
É triste quando termina uma farsa, nós devíamos ter descoberto antes do acaso, este grande bisbilhoteiro.
Não encaro o acaso até hoje, mas eu só choro quando não sinto vontade, pois quando sinto ela vai embora, a vontade.
Eu perguntava à pedra se o calor não estava em demasia, ela seguia me respondendo que o frio contrai os músculos e torna as pessoas tensas e igualmente frias.
Senti tanta raiva que quase chutei a pedra, mas não foi pelo que ela disse, eu apenas não via mais o que estava atrás de mim.
Descobri por mim mesma que um dia o passado fica embaçado, e que muitas lembranças perdem o sentido e suplicam pelo esquecimento. Eu não esqueci o meu passado, só não o via mais em minhas costas.
(Geisa Sabine, poeta)
A dissonância dessa vez é de alguém que vive me ensinando as coisas: Geisa Sabine.
Senhoras e senhores, ela não precisa de papel ou nada para a poesia. Talvez por isso seus escritos sejam tão pessoais. O poema a seguir vai meio contra a vontade dela, eu acho. Vai na contramão de seu medo (ela às vezes não quer ser ouvida).
Vai sem título (ela desejou uma coisa sem nome?), mas eu gostaria de que "eventuais leitores" sugerissem um.
Começando a brincadeira e encantado com uma cena do "prosema", eu pensei em " Poodle por fora. Mulher por dentro".
Torço que ela saiba o que eu quis dizer.
And so it is
Eu passei a caminhar numa direção que não a sua.
Não queria estas páginas borradas, mas os meus olhos insistem em chover.
Enquanto os meus pés seguem o norte, o calor, os seus seguem a direção contrária, o frio.
Como pudemos ser tão tolos e nos deixarmos enganar por uma cortina?
Toda a verdade estava atrás, por isto, hoje agradeço ao poodle brincalhão.
Nossos sorrisos, nosso humor, nossa alegria, tudo se embotou quando a cortina caiu.
Não dissemos mais coisa alguma, não nos olhamos.
É triste quando termina uma farsa, nós devíamos ter descoberto antes do acaso, este grande bisbilhoteiro.
Não encaro o acaso até hoje, mas eu só choro quando não sinto vontade, pois quando sinto ela vai embora, a vontade.
Eu perguntava à pedra se o calor não estava em demasia, ela seguia me respondendo que o frio contrai os músculos e torna as pessoas tensas e igualmente frias.
Senti tanta raiva que quase chutei a pedra, mas não foi pelo que ela disse, eu apenas não via mais o que estava atrás de mim.
Descobri por mim mesma que um dia o passado fica embaçado, e que muitas lembranças perdem o sentido e suplicam pelo esquecimento. Eu não esqueci o meu passado, só não o via mais em minhas costas.
(Geisa Sabine, poeta)
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